A Consciência da Inversão Torna o Ser Humano Saudável

A Consciência da Inversão Torna o Ser Humano Saudável

Artigo publicado no Jornal STOP, edição 75

Norberto  Keppe,
Extrato do livro A Glorificação,
pág. 16

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No ano de 1977, depois de imensas dificuldades no trato dos indivíduos em psicanálise, comecei a notar um fator, que se tornou fundamental na percepção da atitude neurótica: o processo de Inversão.

Desde que nascemos, iniciamos um processo de entrar em contato com o mundo, e todas as suas coisas, em uma sequência ilimitada. A isso podemos dar o nome de revelação, que é praticamente o centro de toda a existência.

No entanto, o homem fez uma inversão em seus conceitos, principalmente sobre a vida, a verdade — querendo vê-las como algo iníquo para si mesmo — e passando mesmo a acreditar que seriam produtoras de grande sofrimento. Deste modo, criou um sistema social invertido (seja no âmbito político, econômico etc.), que se tornou um pesado fardo para si mesmo.

A inversão que o ser humano realiza é sempre em relação à verdade, não a aceitando. Isto acontece toda vez que negamos, omitimos, ou alteramos a realidade. Queremos pensar que, para permanecer no bem, teremos de sofrer os “açoites” da realidade — como se ela fosse um castigo imposto pela vida sobre nós. Tentamos pensar ainda que o mundo precisa de nós, que a humanidade perderia muito, com a nossa morte (Nero), que até o próprio Criador se beneficia com a nossa existência.

O primeiro passo, para a percepção da origem da psicopatologia, foi o fator da inversão psicológica, através do qual tentamos colocar tudo ao contrário em nosso interior: a fantasia excelente, a realidade nociva; o amor, um prejuízo, e o ódio um bem; a paciência, um desgaste, e a intolerância, o progresso etc.. A própria ciência do psicopatológico nasceu invertida, por causa disso — aliás, como todas as outras coisas da civilização; porém, ela está conseguindo (o que as outras não conseguiram) corrigir- se por si mesma. S. Freud não falou que o mundo está de pernas para o ar?

Em meus trabalhos psicanalíticos tenho chegado a conclusões até opostas às de Freud. Por exemplo: não é o elemento recalcado o culpado pela neurose, mas a atitude do indivíduo em tentar reprimi-lo; não é um inconsciente que nos causa as perturbações, mas nossa conduta em esconder a consciência; não é o uso da libido o caminho para o próprio desenvolvimento, mas justamente a independência a ele. Estou mostrando que, sem o uso correto da dialética, não conseguiremos perceber a inversão. Por exemplo: somente um indivíduo profundo poderá notar sua superficialidade, assim como só aquele que é mais são é que verá a sua insanidade.

“A inversão que o ser humano realiza é sempre em relação à verdade, não a aceitando.”
“A inversão que o ser humano realiza é sempre em relação à verdade, não a aceitando.”

A inversão acontece tanto na projeção da insanidade na sanidade, como na colocação da sanidade na insanidade. Exemplificando: ninguém pode ser alegre com a doença; no entanto, coloca na visão de suas dificuldades, (que é a sanidade), o motivo de sua moléstia — sendo esta atitude a única chave possível para resolver seus problemas.

Neguemos ou não, estamos sempre diante de um sentimento de prejuízo, perante a vida — que nos serve de consciência para ver a atitude de negação, omissão ou alteração que lhe fazemos constantemente. Porém, colocamos fora, na existência, o que realizamos contra, porque ela é o maior espelho que temos — da mesma forma que queremos ver Deus como indigente, sendo Ele o possuidor de toda riqueza, bondade e beleza que existem, colocando nele tudo o que fazemos de errado.

O fato mais importante no processo de conscientização é a total inversão que fazemos, querendo crer que o ato de ver causa-nos prejuízo. Tal ideia ocorre, devido à oposição sistemática que fazemos contra a realidade, pretendendo substituí-la pela nossa imaginação — e, como a consciência é a voz da realidade, a voz de Deus (como diz o povo), nós a desprezamos. Queremos crer que somos os doadores de tudo o que existe de bom — de maneira que o próprio Criador seja beneficiado pelo que fantasiamos.

“O ser humano trocou a verdade por sua fantasia, Deus por sua imaginação, querendo crer agora que o infinito está no que pensa.”

Não há problema algum que nos cause dano, mas todo o perigo está em nossa atitude de não querer ver o que existe, colocando em seu lugar a fantasia que criamos. Passamos tão rápido pelo tempo, que cada minuto, cada ação, cada sentimento (bom) não aproveitado, é a própria vida perdida; o que temos, afinal de contas, de disponível é o tempo, pois, na essência, somos imodificáveis. Estamos assistindo ao desmoronamento da maior fantasia que o ser humano elaborou em sua existência: a perenidade do elemento material. Todo grupo de indivíduos, que sempre usou das riquezas físicas para se alhear da verdadeira realidade, está atarantado.

Felizmente, grande parte da humanidade tem um concepção diferente e esse grupo silencioso é que vem conservando a humanidade em algum equilíbrio. O ser humano trocou a verdade por sua fantasia, Deus por sua imaginação, querendo crer agora que o infinito está no que pensa. Deste modo, pensando que o petróleo, as florestas são inacabáveis, eles o seriam — como se a fantasia fosse onipotente e a realidade medíocre — o Criador deveria ser pequeno, e o homem incomensurável.

Devido à descoberta, que realizei sobre a inversão psíquica, tenho possibilidade agora de notar a tremenda confusão que fazemos entre as nossas atitudes e a própria verdade. Ficamos na imaginação de que o Criador age mais ou menos como nós, com um pé na realidade, e outro nas negociações do momento — procurando esquecer sua condição de perenidade. Deste modo, queremos um eterno volúvel. Estou dizendo que Deus não está sentado em um trono com um livro na mão, para estudar caso por caso. Ele é a beleza pura, a magnificência total. Nós é que giramos ao redor disso, do modo que nos permitimos.

O processo psicológico denominado projeção explica um fenômeno curioso: a colocação de Deus nas instituições, como se Ele lhes tivesse dado exclusividade. Assim sendo, fizemos um hiato desnecessário entre nós e a verdade — criando um fosso aparente entre o mundo e o Criador.

Teoricamente, todos sabemos que qualquer coisa que exista pertence à verdade; porém, fizemos uma divisão (imaginária) entre o universo divino e o humano — exatamente como dividimos o próprio interior, doando um ao Criador e outro a nossa imaginação.

A verdade, sendo tão magnificente, jamais deveria ser abandonada, se não tivéssemos feito a inversão, vendo-a como mentira. Desta maneira, quando vemos as igrejas vazias, podemos desconfiar de que está havendo qualquer erro grave de percepção, por parte tanto dos seus pastores, como dos fiéis. Eu acredito que seja a consideração errônea que fazemos do Criador.

Deus é visto como um colega, com o qual conversaríamos, depois da morte, esperando uma barganha a respeito de nossos atos — como se fôssemos deuses também. E não queremos perceber que tudo foi resolvido aqui, e por nós mesmos.

O que o ser humano aprecia mesmo é a realidade; ele pensa muitas vezes que prefere a fantasia, devido à inversão que faz — no entanto, sabe que, apesar de todo o seu engano, sua felicidade está na aceitação da verdade.

O homem está ligado indefectivelmente à verdade, e só conseguirá relacionar-se bem com todas as coisas, na medida em que estiver bem entrosado com a sua própria realidade. No entanto, ele precisa ter sempre em mente que essa verdade não foi ele quem criou, mas deve se constituir em seu porta-voz, para que consiga estabelecer relação com um universo cada vez maior.

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